Arquivo para 17 de outubro de 2007

O dia que conversei com o Beto Guedes

Ou o dia que quase tomei um porre homérico com o um dos integrantes do Clube da Esquina

Quais são os mecanismos que expulsam um texto de sua cabeça? Mesmo depois de certo tempo ruminando o que dizer, imaginar mil maneiras de começar a contar uma história, pensar todas os ângulos para compôr a trama, fantasiar um determinado grau de situações, que em nada mudarão o consenso final. Enfim, como montar um enredo que desejamos enquadrá-lo por meio de palavras, sem que o torne estanque, frio, ou apenas um relato de um dia de uma vida qualquer.

Essa aqui, provavelmente, é mais uma dessas histórias que enquadrada, talvez, perca o peso e a sensação duradoura que reinou em minha mente por meses. Às vezes, aprisioná-las em palavras é retroceder ao processo que as trouxeram até aqui. Colocar em palavras, uma atrás da outra, em linhas lógicas a formar um conjunto de simbolos, talvez não ditará como tudo aconteceu, ou como as casualidades foram acontecendo sem nada ser programado. Talvez…

Mas lá se vão alguns meses, algumas histórias novas para contar…

Tudo começou um tempo antes, se fossemos puxar a linha condutora de tudo chegaríamos, provavelmente, aos meus seis anos de idade, e o dia que um álbum duplo mudou minha vida. Mas não perdermos tempo com sentimentalismo e lembranças amareladas pela ação do tempo. Começou antes do dia, e até mesmo da hora prevista para o começo do show.

Leio no jornal: Beto Guedes, Teatro Coliseu, dia 09 de junho de 2006, às 21h30. Pensei: Não perderei por nada nesse mundo – e nem do outro. Abri a agenda – sim, criei coragem, comprei uma, falta-me, apenas, começar a usá-la – em letras garrafais: PROVA SEMESTRAL , segunda aula – Psicologia. Crise. A aula começaria às 21 horas. Perder a prova era impossível, perder o show também. Mas nessas horas acreditamos em tudo, até mesmo um acidente – leve – com a pessoa responsável da aplicação da prova. Nada disso. Ela foi, mas o impossível aconteceu.

Era para ser uma prova de arrancar as cabeças. Disse bem, era. Psicologia costumava ser algo que remete à uma reflexão – minimamente existencial, creio eu; ou sexual, diriam os freudianos –, porém, neste dia, não foi. A avaliação, caso queiram chamar assim durou 10 minutos. Isso porque a professora se atrasou 5. Olhei para o relógio – do celular, que às vezes uso como despertador, e em outras até para me comunicar com alguém – 21h11. De onde estava até o Coliseu, tínhamos uns 15 minutos de ônibus – é, ônibus. Fomos, Guilherme e eu, em direção ao show, que, naquele instante, conseguir entrar já seria um milagre – ou mais um deles.

O show já tinha começado. Conseguimos ingressos – o que, normalmente, compraríamos estava esgotado. Compramos um intermediário – e, por já ter começado, fomos indicados a seguir em frente, o que daria para a parte mais cara do teatro. Por um golpe de sorte, ficamos em lugar privilegiado.

O som estava ruim, mas ruim de doer. O Beto pacientemente pedia, de forma mineira, para a melhor equalização dos equipamentos. Com o tempo foi melhorando, mas longe de um som excelente. Estava estampada a insatisfação do Beto e dos músicos, ainda mais perfeccionistas que são. Em seqüência, o melhor da carreira do compositor mineiro enchia o ambiente de luz.

Eu, anestesiado, fiquei certo par de tempo para crer em tudo aquilo. E, como de costume, comecei a berrar nomes de músicas. Comecei com Cruzada – por motivos maiores que a razão. Ao pedir “A página do relâmpago elétrico”, crente que ele não me ouviria, ouviu-se nos alto-falantes, com um sotaque mineiro, gostoso de se ouvir: “Essa não dá não, estou sem voz. Peça outra”. E deu para pedir outra? A emoção foi maior do que se ele tivesse cantado a música. Preciso dizer que chorei? Descenessário.

Acabou o show, nessa altura mais duas pessoas estavam com a gente. Uma idéia rondou nossas cabeças ao mesmo instante. Ir ao camarim deles. E fomos. Barrados na porta. Tentei barganhar. “Somos estudantes de jornalismo, precisamos entrevistá-lo para o nosso jornal”, ou “sou fã demais do clube, tenho tudo. Até a primeira comunidade no orkut fui eu que fiz”. A produtora dizia que ele tinha saído. E era verdade. Tentei uma última cartada. “Já que o Beto não está, podemos conversar com os músicos?”.

“OK! Deixarei entrar duas pessoas”, disse a produtora. Eu levantei a voz e disse, num tom meio desafiador, meio desesperado, “Ou todos ou ninguém”. Ao falar isso, pensei que tinha posto tudo a perder. E não foi que deu certo. Entramos.

Lá dentro, era como se fosse um universo paralelo. Logo de início vi o baterista Nenê Batera, responsável por gravar grande parte dos discos do Clube. Músico competentíssimo. Fui falar com ele. Ainda acanhado, pois, pode não parecer, sou tímido. “Tem algum motorzinho nessa baqueta aí, Nenê?”, perguntei, como para quebrar o gelo ou fechar uma porta. “Oh, rapaz, tem não”. Daí para frente, falamos de discos clássicos que ele gravou, faixa a faixa, trechos de músicas, de BH, de Minas, do Clube, da música popular brasileira. Eu me senti em casa.

Ele perguntou, “rapaz, mais que idade você tem?”. E me disse, “Estamos indo para o seguinte lugar, o Beto já está lá, vamos?”. Sem grana, com mais vergonha que medo, respondi, “vontade não me falta, agora, grana…”. De forma carinhosamente – e típica – mineira, respondeu: “convidei, não perguntei se tem grana. A gente paga”. Acredita? Nem eu.

Fui.

Lá, sentado-se à mesa do bar, caríssimo por sinal, Beto Guedes. Pânico. Tremor nas pernas, suor nas mãos, um impasse. Vamos ou não falar com ele. Saímos do camarim dos músicos antes que eles, e chegamos ao bar, também, antes que eles. Foi quando, de forma milagrosa, chega a van que trouxe os músicos. Nenê Batera me abraçou e reforçou o convite, me levando até a porta do estabelecimento. Confesso, tinha no bolso R$ 3,00 e creio que a água naquela lugar deva custar mais que isso. Convidando-nos para beber, minha preocupação era se teríamos que ajudar na conta.

Entrei. Sentei-me à mesa, conversei com o Beto. Neste instante, poderia acrescentar que conversamos horas a fio, ficamos amigos de infância, tomamos um porre homérico, e de lá, fomos ao hotel, compomos juntos uma melodia, eu fiz a letra, que sei que não vai ser gravada, pois não registramos nada e, ao acordar, esquecemos tudo. Não foi bem assim.

Conversei com o Beto por uns 10 minutos, mais ou menos, e só. Fechado, e pouco à vontade, devido ao assédio das pessoas estranhas, eu me incluo na lista, falei da minha admiração por ele e de algumas histórias do movimento. E só. Gentilmente, ele nos atendeu, conversou, até riu. Vi que era hora de me retirar, ele precisava relaxar, beber alguma coisa, falar de possíveis falhas do show com a banda e técnicos, por fim dormir. E parti. Partimos.

De lá, fui para uma festa com o pessoal. Gente estranha, festa esquisita, lugar horrivelmente esnobe. Não quis ficar, mas uma amiga de Portugal, em intercambio no Brasil, sugeriu que bebêssemos em outro lugar. Fomos. Como estava sem grana, ela pagou. Ficamos conversando sobre a loucura que foi aquela noite, por horas e horas. Eu não consegui dormir, a excitação era maior que o cansaço físico e mental. Fui para a aula no dia seguinte – sim, tenho aula no sábado, e o pior, pela manhã, Filosofia e Diagramação – sem dormir.

Daquela noite, além das lembranças e história, tenho o ingresso, o set-list do show, autografado pelos músicos e pelo Beto, os telefones do Nenê Batera e o convite dele para uma turnê acompanhando os músicos do clube. Falta só a coragem para ligar.


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