Arquivo para outubro \20\-01:00 2020

Do muito ou pouco que houve entre você e eu

Sempre estive a um fio de puxar a corda derradeira, a linha final, o estampido agudo que silencia a oração na hora mais inoportuna de um dia tedioso de inverno. Tudo ilusão! Quimeras tolas de um sonhador incurável. Querelas de uma vida aos pedaços, despedaçada nas pequenas angústias pregadas pelo subconsciente cansado dos dias maquinais que nada mais ditam os passos apressados das capitais em ebulição.

Não, definitivamente não sou corajoso ao ponto de interromper a (i)lógica maquinação que bate neste coração descompassado de tanto esperar um sorriso certeiro, num momento em que nada mais pode ser certo, senão a repetição de velhos medos emoldurados nessa patética reinação típica dos adolescentes. Ah, a vida e seus mistérios.

O silêncio que tanto busquei e que hoje me devora cegamente. Sísifo em seu labor desnecessariamente tedioso e árduo. Sinto-me tão lúcido como quem disposto a morrer numa batalha perdida. A honra dos covardes misturada com o suor frio da despedida do outro lado da rua. Voltas no ar desse dado viciado antes de tocar o solo, fadado a repetir o mesmo número preguiçoso de um péssimo ator em uma peça vulgar. O aplauso tímido e desnecessário embriaga as retinas ainda incrédulas do novo amanhecer. Sei que vou repetir a mesma sina a cada volta dos relógios.

Os sinos ao longe e uma música repetitiva mapeiam os segundos sagrados em que nada mais pode ser respondido. A língua cansada é o ponto final. A saída é a porta lateral? E nem sempre é doce morrer nas ondas verdes do mar. Os vagões enfileirados sobre trilhos enferrujados e o apito da partida final ecoam em minha cabeça, em cada curva o destino torna-se opaco pela visão turva do medo sobre a mesa. Tudo invenção?

Pesa como uma condecoração ao degredo, ao flagelo que nos cerca nessa aldeia interligada por teias invisíveis. Valor secundário dos versos inúteis que estremecem como notas musicais dodecafônicas. As harmonias complexas e sem sentidos das dores de fora.

Vesti minha dor em tons azuis, nos olhos o percurso e a necessidade de chorar. Resta-me mais nada que deixar sangrar o peito pelas mesmas dores que me trouxeram até aqui. Dos sonhos deixados no travesseiro antes mesmo do nascer do sol, eclode a falha hipotética demasiadamente humana. Kant e suas aflições arranham apenas a superfície dos segredos mensurados no rosto com a barba por fazer e malas desfeitas às pressas – e foram tantas.

Eu me entrego a esse labirinto borgeano, criado para me aquecer neste inferno nosso de cada dia, com o mesmo afinco que uma criança que devora uma barra de chocolate. Crio fantasias tão ilógicas como um sonho bom. Breve janela na alma obscura pela vergonha de bater esse coração imenso, mas mergulhado na mais fétida e podre mágoa a cegar as retinas já incrédulas. Tudo que a gente diz, do muito ou pouco que houve entre você e eu.


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